sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Escolha

A noite estava gelada. O vento varria as folhas que, mesmo despedaçadas e espezinhadas no chão, sustiam ainda os seus passos pesados. Pesados pela culpa e pela vergonha. Nada na vida podia muda-lo tanto, nada na vida o tornara mais cobarde. Ele, só um estudante, enfrentava um dos maiores dilemas. Ela, só uma rapariga, estava grávida. Nem estrelas, nem discotecas, nem amigos podiam suster agora o lábio trémulo e as lágrimas que caíam, que se estatelavam no chão húmido. Dois meses separavam-no do derradeiro momento. Agora já nem andavam mal se falavam. Mas ele acreditou quando ela lhe disse, nem sequer pôs em causa a sua paternidade, nem disse nada. Calou-se. Ela falou pelos dois, chorou (mais do que ele), disparatou contra a sua apatia e jurou que iria abortar. Quem cala consente e ele consentiu. Acho que no meio de tudo ainda tentou esboçar uma palavra mas não conseguiu. Ela seguiu na neblina, ele ficou quieto por ainda mais dez minutos. Seria impossível enumerar tudo o que lhe passou pela cabeça mas acho que nesse momento pensou em tudo. Ou em nada. Encontrou-se vazio, impotente, sozinho... Estava ainda a meio dum curso de medicina. Vivia ainda a ridicularia da juventude e o prazer dos "flirts". Vivia debaixo da asa dos pais. Nunca pensou ter de lhes dar uma notícia tão trágica. "Talvez seja melhor não lhes dizer nada", pensou. De facto não fazia sentido. Afinal de contas dentro de uns dias tinha o problema resolvido. Ela própria tinha dado o corpo ao manifesto em prol da resolução do problema. Ele só tinha que esperar...
A angústia subia-lhe ainda pelo corpo e a trágica noticia não lhe dava descanso. Ele ainda caminhava, mas era como se estivesse parado. Tudo o que lhe passava pela cabeça abstraía-o do mundo, da vida. Por pouco não foi mesmo atropelado. Como? Porquê? Porquê ele? Porquê com ela? Porquê agora? As suas perguntas eram tão vagas e inúteis como as respostas que inventava. Sempre se achara superior a este tipo de problemas - "isso só acontece aos outros". Agora os problemas batiam-lhe à porta. Era sem dúvida hora de crescer de deixar de ser tão imaturo, tão infantil. Iria levar a vida a sério depois deste susto. Tinha que ter outro tipo de segurança...
Subitamente ergueu a cabeça, as suas ideias baralhadas tomaram um caminho oposto e ele seguiu direito até um miradouro. Subiu a grade, passou-a, e apoiado com os calcanhares e seguro pelas mãos gritou. Ninguém sabe bem o que disse... nem se disse alguma coisa. A sua mente estava demasiado confusa, nada nem ninguém a conseguia analisar senão ele... Nada nem ninguém sentia agora o que ele sentia. Por momentos o vulto escuro debruçou-se um pouco mais sobre o abismo, mas apenas uns centímetros. O suficiente para ver o fundo, o fundo do poço em que se encontrava. Quieto, respirava fundo, ruidosamente. Então rapidamente soltou uma mão, virou-se e saltou a grade apoiando-se em terra firme. Parou por momentos mas depressa tomou uma marcha apressada e decidida. Ia falar com ela. Ele queria aquele filho (era dele!). Ia pedir-lhe que não o matasse.


P.S. Este “post” não tem o objectivo de influenciar ninguém nem ofender ninguém pela a sua opinião. Apenas quis escrever algo e como este assunto é-nos todos os dias impingido pela comunicação social é impossível ficar-lhe indiferente. Peço desculpa mas era inevitável tomar uma posição.

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