quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

O Assassino

A chuva suicidava-se contra o chão. A terra, já espancada, saturada, expulsava água do solo formando largas poças. Ao caminhar, o vento de Inverno contra a roupa molhada enregelava-o. Mas lá segui e naquele momento a única coisa que lhe custavam eram as palavras dela, as quais continuava a remoer. Foram duras, como foram duras e embaraçosas. “Não, não te amo!”
Agora chorava, deviou-se do caminho principal por um pequeno trilho, tentou esconder-se. Não queria que ninguém andasse à sua procura, não queria encontrar ninguém. Mas já alguém devia estar a procurá-lo, algures. Todos tinham visto quão transtornado tinha saído da festa. Foi um escândalo e peras.
Sem dúvida que alguém andaria à sua procura, tentando evitar que se suicidasse. A ideia havia-lhe de facto passado pela cabeça: “ E seu eu me matasse? Ia faze-la odiar-se para sempre, isto se ela tivesse o mínimo de coração. Sinceramente não acho que tenha. Então que morra ela. Vou esganá-la, à cabra. Mato-a mesmo desta vez. À facada, à bala, esgano-a." Todos estes pensamentos lhe pareceram demasiados violentos. Então escolheu o veneno. Letal, silencioso e frio, cheio de magoa e rancor, de extremo desespero e de humilhação. Seria a arma perfeita. “Será melhor…” Era de facto mais cómodo.
Deitado na cama, mentalizando-se para a acção necessária, recordou tudo naquela noite. Lembrou-se das ofensas e do gozo. Como fora humilhado, quando ela no meio da festa, no meio dos seus amigos, havia apresentado o namorado novo: “Este é o Ricardo”. Tinham acabado há dois dias, por vontade dela. Na cama fria e negra remexia-se imaginando há quanto tempo estaria a ser enganado, rindo-se previamente da sorte dela… Mas as lágrimas escorriam-lhe. Então mandou-lhe a sms fatal:
"Ola. Olha td o k s paxou hj
foi mt duro pra mim. N keres
paxar ka por kasa pa termx
1 conversa. Cm amigs... bj"
A resposta não tardou em chegar
"Oi. dsc axo k fui mt bruta ctg hj
dsc. sim, gxtav mt. apareço ai as 9.
bjinhux"
A sua resposta fisiológica foi aumentar o volume de lágrimas e a preparação psicológica. Pensou em todos os detalhes um por um. O veneno comprá-lo-ia longe de casa, para não levantar suspeitas... A bebida favorita dela era café, não ia ser difícil disfarçar a cor. O sabor também é intenso e ainda por cima leva açúcar. Nada podia ser mais fácil. "Já que te perdi, ao menos perco-te de vez. Deixa lá, vemo-nos no inferno." Os seus pensamentos ecoaram pelo quarto num tom alto demais. Mas era tarde, ninguém poderia ter ouvido. Ele próprio tremeu ao ouvir a sua voz fria, mórbida, mas por momentos também sentiu um prazer demoníaco.
9 horas da noite. Ela, pontual como sempre, tocou à campainha. Ele abriu a porta e convidou a entrar. Os olhos dela estão lavados por lágrimas. Os dele estão secos, de vez. Convidou-a a entrar, o café estava já na cozinha, quentinho. Convidou-a a sentar-se no sofá onde tantas vezes fizeram amor e num pulo foi à cozinha. O veneno, colocou-o meticulosamente no copo da asa rosa. Compraram juntos estes copos, o dele negro, com a asa azul, o dela branco com asa rosa. A distribuição dos copos é infalível. Agora não havia como voltar atrás.
Na sala ela ainda chora, ele ao entra vê através do espelho o seu lindo rosto vermelho. Aproximou-se por trás do sofá e sentou-se à direita dela. As lágrimas não paravam de correr então fingindo pena ele disse:
"Não chores, eu estou bem. Tu estás bem pior do que eu. Olha para ti, a chorar..."
A calma fria do assassino possui-o. O gostinho amargo do cinismo seduziu-o e então carinhosamente entregou-lhe a chávena.
- Sabes, eu deixei-te pelo Ricardo. Mas ainda gosto muito de ti. Mas o nosso amor foi-se... – ainda nem tinha tocado no café – Eu não queria que isto acabasse assim... – “bebe, por favor, bebe” – Eu não te traí, mas não podia deixar para outra altura. Ele insistiu muito para ir, para conhecer os meus amigos. Eu fui estúpida e acedi. Mas tu estavas lá e claro que ficaste magoado. Disseste coisas e eu disse coisas. Eu sei que ambos estamos arrependidos. Mas ainda me sinto culpada.
Ele calmamente provou o café, e prendendo com dificuldade uma lágrima no canto do olho disse:
- Está uma porcaria este café, dá-me a tua chávena que eu tiro outro num instante.
A chávena foi-lhe imediatamente entregue. As suas mãos tremiam, todo ele tremia. Encaminhou-se devagar para a cozinha mas ele queria ter corrido. Então, pousou as chávenas e pegou num guardanapo. Escreveu e de um trago bebeu o café da chávena rosa. A paz tomou dele. O silêncio tomou conta da casa.
Cinco minutos depois ela encontrou-o na cozinha, frio e tenso, como o chão onde se encontrava caído. Pobre rapariga, cheia de medo soltou um grito mudo. Saiu a correr, chorando e berrando, a pedir ajuda.
Em cima da bancada, no guardanapo abandonado jaziam apenas três palavras: "Ainda te amo"

2 comentários:

Anónimo disse...

tava msm inspirado o menino... muito bem! mts parabens! este blog ta a fikar fantastico lolol é um reflexo e um escape... bj e fica bem (boa sorte p os exames)

Anónimo disse...

também merexes os parabens! um blog de boa escrita.. original.. diferente! optima dupla! muito diferentes mas que em conjunto resultam numa mistura perfeita! ja sou fã do blog!